segunda-feira, 11 de setembro de 2023

 


Nova Humanidade em Cristo: entendendo a carta aos Efésios


 Introdução

A carta aos Efésios, juntamente com Filipenses, Colossenses e Filêmon, é conhecida como “carta do cativeiro”, por dar a entender que Paulo se encontrava preso (Ef 3,1; 4,1; 6,19-20). Acredita-se que Paulo foi prisioneiro em Roma, entre os anos 61 e 63 d.C., e pode ser que nessa ocasião tenha escrito a carta a seus seguidores e seguidoras da cidade de Éfeso, capital da província romana da Ásia Menor, para instruí-los no projeto (mistério) salvador de Deus e na vida comunitária em Jesus Cristo.

No entanto, uma simples comparação da carta aos Efésios com as cartas protopaulinas (Rm, 1 e 2Cor, Gl, Fl, 1Ts e Fm) possibilita perceber que há grandes diferenças quanto ao estilo, vocabulário, teologia e orientação pastoral, levantando dúvidas sobre a autoria de Paulo.

1. Autor, destinatário e data

Os estudiosos apontam as seguintes características da carta em estudo:

a) Vocabulário: Ef contém 86 termos que não se encontram nas cartas paulinas. Desses, 34 estão ausentes em todos os outros textos do Novo Testamento.
b) Colossenses: a carta dirigida à comunidade de Colossas (cidade da Ásia Menor), escrita por um colaborador de Paulo, é a mais parecida com Ef, tanto na forma quanto no conteúdo.
c) Judeus e não judeus: Ef não trata do grave conflito entre judeus e não judeus, descrito nas cartas paulinas – por exemplo, em Filipenses (cf. Fl 3,2) –, o que indica uma realidade do fim do século I d.C.
d) Escatologia: Ef não espera a vinda iminente de Cristo, como Paulo acreditava. Essa expectativa tinha enfraquecido, e as comunidades precisavam se organizar e se adaptar para sobreviverem dentro do império (cf. 1 e 2Pd).
e) Cartas católicas: Ef tem relações significativas com as cartas católicas (Tg; 1 e 2Pd; 1, 2 e 3Jo; Jd), escritas entre os anos 90 e 110 d.C., bem posteriores ao apóstolo Paulo.
f) A menção a Éfeso como destinatário falta em muitos manuscritos importantes de Ef, o que faz pensar em uma carta-circular aos cristãos da Ásia Menor, por volta do ano 90 d.C.

Esses dados são suficientes para afirmar que Paulo não escreveu a carta aos Efésios. Essa carta-circular possivelmente foi enviada a várias comunidades no fim do primeiro século, no contexto de exploração e dominação do Império Romano.

2. Conhecendo a realidade

O livro do Apocalipse de João, escrito no fim do século I d.C. na Ásia Menor, descreve a exploração econômica da região pelos “mercadores da terra” (o Império Romano). Estes estavam explorando e levando a riqueza da terra para a capital do império: “Carregamento de ouro e prata, de pedras preciosas […], vinho e azeite, flor de farinha e trigo, bois e ovelhas, cavalos e carros, escravos e vidas humanas” (Ap 18,12-13). O último trecho – “cavalos e carros, escravos e vidas humanas” – aponta e simboliza o regime econômico e político do Império Romano: uma sociedade escravagista, controlada por um exército poderoso e violento (Ap 6,1-8). A dominação começa com a terra: a maioria das terras da Ásia Menor pertencia ao império, o que gerava a cobrança sistemática de impostos e o monopólio do comércio (Ap 13,11-18).

A maioria da população local estava submetida à escravidão, decorrente da exigência de impostos, do comércio abusivo e das várias formas de violência. O duro trabalho nas fazendas (“ovelhas”), nas minas (“prata”, “pedras preciosas”) e nas fábricas (carroças e carros puxados por cavalos) enfraquecia e empobrecia o povo. O sofrimento aumentava ainda mais com a dominação cotidiana do império no ambiente social e cultural da Ásia Menor, subjugação que se manifestava com as seguintes características:

a) O patronato. O sistema de patronato, ou clientelismo, funcionava como uma pirâmide e era marcado pela “troca” de favores entre as pessoas, criando verdadeira teia de influência e poder. Quando o patrono rico favorecia o cliente que tinha menor poder ou riqueza, essa prática gerava dependência e submissão, porque a pessoa mais pobre se sentia grata e devedora de favores ao poderoso. O patronato permeava todas as relações dos membros da “família”: marido e esposa, pai e filho, patrão e escravo etc. (Ef 5,21-6,9). O imperador, denominado pater patriae, era a figura máxima da sociedade patronal. Ele controlava e submetia toda a população conquistada pelo Império Romano.

b) A helenização, baseada no dualismo da cultura helenista (Deus e o mundo). O império alimentava o espírito da helenização ou romanização, marcado pela busca desenfreada de bens, prazer e honra. Tal busca provocava a libertinagem ética e social, que se traduzia em ignorância, insensibilidade, paixão enganadora, mentira, injustiça, difamação, roubo, conflito, violência (Ef 4,17-5,30).

c) A religião imperial. O poder do império era legitimado pela religião oficial. O culto aos imperadores, por exemplo, era celebrado nos templos das cidades da Ásia Menor (Ancira, Pessinunte, Antioquia da Pisídia etc.), fortalecendo o domínio do império mediante o poder e o carisma do imperador, considerado divino. No culto, o evangelho, a “boa-nova” de César Augusto, o senhor do império e da terra, era proclamado, exaltando o império e o imperador por estabelecerem na terra a paz e a salvação: a pax romana. O evangelho imperial era oposto ao de Cristo Jesus, por meio do qual Deus Pai revela seu mistério (projeto) de salvação (Ef 1,1-23; 3,1-13).

d) O mundo cultural e religioso. Os membros da Igreja, predominantemente gentios, eram convertidos de um ambiente cultural e religioso helenístico (greco-romano), marcado pelas religiões de mistério, magia, astrologia. Eles acreditavam que os maus espíritos, o diabo, o maligno e os poderes cósmicos habitavam nos céus e manobravam o mundo, os seres humanos e a história, provocando injustiça, violência e morte (Ef 2,1-3; 6,10-20).

O sofrimento do povo conquistado foi acentuado nos anos do reinado de Domiciano (81-96 d.C.), um imperador arrogante, que exigiu ser chamado de “Senhor e Deus”. Seus últimos anos foram marcados pelo terror (com muitas sentenças de morte, também contra membros da própria família, e feroz perseguição aos cristãos) e por problemas econômicos, geradores de grande turbulência, exploração e violência contra a população da Ásia Menor.

Era nesse mundo hostil que as comunidades cristãs jovens, recém-separadas do judaísmo (judeu-cristãos expulsos da sinagoga: cf. Jo 9), deviam firmar-se, unir-se e manter sua caminhada, pregando Cristo Jesus crucificado e praticando o amor ao próximo (Ef 3,14-22).

Sobretudo os gentios convertidos deviam apropriar-se das virtudes de Cristo, livrando-se de uma vida não cristã, dos vícios e dos maus espíritos. Ademais, por volta do ano 90 d.C., os cristãos já não esperavam uma parúsia iminente (Ef 2,5.8), mas se empenhavam em construir “moradas” neste mundo (Jo 14,23). A preocupação com a solidificação da Igreja e com a estabilidade da família cristã estava em primeiro lugar diante dos problemas do mundo.

3. Conhecendo os problemas

A carta aos Efésios não faz referência direta a problemas ou a situações concretas de uma comunidade específica. Entretanto, nas entrelinhas do texto, surgem os problemas que um pequeno grupo de comunidades, formadas ao redor da figura de Jesus Cristo na Ásia Menor, enfrentava para manter sua sobrevivência, entre os quais a questão da terra explorada e dominada pelo Império Romano. Ao procurarem viver o amor ao próximo, as comunidades, a exemplo de Jesus Cristo, chocavam-se com os valores do imponente mundo helenizado e hierarquizado em que estavam inseridas.

a) Como os cristãos podiam acreditar em um Messias crucificado e pregá-lo (Ef 2,16)? Como acreditar que o mais esmagado e desprezado entre os seres humanos era o Filho de Deus, que veio para dar sentido à vida e a um mundo sob o domínio do Império Romano com seu imperador, considerado Senhor e Deus poderoso? Como os cristãos podiam usar o título “Senhor” para Cristo Jesus, título reservado ao imperador? Qual a posição de Cristo Senhor em relação ao “Deus imperador” e aos poderes cósmicos?

b) Como a Igreja, oriunda da tradição judaica do povo de Deus (de monoteísmo exclusivo), podia dar, com o Evangelho de Jesus Cristo, o “projeto salvador da graça de Deus” – o “mistério” (Ef 3,2-4) – a todas as nações alcançadas pelo projeto salvador da pax romana mediante o evangelho do imperador?
c) Havia o grupo helenizado, com seu conhecimento – a gnosis nas comunidades (Ef 3,19; cf. Cl 2,1-8; 1Jo 2,18-3,24) –, que se interessava apenas por si mesmo, alegando ter uma liberdade superior, e exprimia uma espiritualidade vertical, muitas vezes desvinculada do compromisso social e comunitário.

d) A maioria dos membros era de não judeus convertidos, mas havia também membros judeus (e antigos tementes a Deus) em seu meio, e o problema da relação entre eles ainda não havia sido resolvido (Ef 2,14). O fluxo dos novos convertidos não judeus nas comunidades criou algumas tensões significativas. Nesse contexto, como resolver a inimizade cultural e econômica para manter a unidade da Igreja?

e) Em uma sociedade escravagista, a posição, a carga e a função social das pessoas eram controladas pelo sistema patronal e patriarcal, que tinha o imperador como patrono e Pai e instaurava relações de submissão e desprezo. Como a carta aos Efésios advertiu os membros para o perigo de desprezo e de conflito na Igreja por causa das diferentes funções de cada membro (Ef 4,16)?

f) No mundo greco-romano, marcado pela helenização, os cristãos, sobretudo os gentios convertidos, encontram-se em perigo de retrocesso na vida moral e desvio da fé. Como conscientizar a comunidade sobre os perigos, como a imoralidade da libertinagem (Ef 4,19)?

g) Como as pessoas batizadas em nome de Jesus Cristo, sob a ética da igualdade (Gl 3,28), assumem o “código doméstico” (a lei da submissão) na família, a célula fundamental da sociedade patriarcal e escravagista daquele tempo (Ef 5,21-6,9)?

h) As injustiças e opressões eram praticadas pelos poderosos do mundo (Ef 6,12) na realidade vigente da sociedade escravagista, na qual era quase impossível promover mudanças. Como a carta aos Efésios orienta os membros para lutar contra o mal, personificado pelo diabo (maligno), que seduz e se encarna nos poderosos do mundo?

4. Conhecendo a carta aos Efésios

A carta pode ser dividida em duas partes. A primeira é uma parte doutrinal sobre o projeto salvador (o mistério) de Deus, realizado em seu Filho, Jesus (Ef 1,3-14), e desenvolvido na Igreja, a qual tem, como cabeça, Jesus Cristo soberano e crucificado (Ef 1,15-2,22), anunciado por Paulo (Ef 3,1-21). A segunda é marcada pela exortação a dinamizar a vida cristã: viver na unidade (Ef 4,1-16), viver como filhos da luz (Ef 4,17-5,20), ser família cristã (Ef 5,21-6,9), lutar contra o mal (Ef 6,10-20). Eis um possível esquema para a carta:

a) Introdução – 1,1-2: saudação inicial;
b) Primeira parte – 1,3-3,21: o mistério de Cristo soberano, cósmico e eclesial;
c) Segunda parte – 4,1-6,20: a vida cristã na prática;
d) Conclusão – 6,21-23: saudação final.

5. Conhecendo as mensagens principais

A carta aos Efésios apresenta uma reflexão sobre a Igreja como corpo de Jesus Cristo. Ela exorta os leitores a uma conduta digna da vocação cristã no mundo helenista, patriarcal e escravagista do Império Romano.

a) O senhorio e a presença gloriosa de Cristo (Ef 1,3-23): descreve e prega a soberania de Jesus Cristo como o único Senhor sobre “as coisas celestes e as terrestres”, para fortalecer a identidade, a sobrevivência e a resistência dos cristãos ante a dominação dos poderosos do mundo, justificada pela imagem poderosa do imperador, “Senhor e Deus”.

b) A Igreja universal (Ef 2,1-22): Cristo crucificado, como a maior manifestação do amor infinito do Pai, derruba as barreiras (como a Lei e a tradição oficial) que isolavam Israel das outras
nações. Doravante, gentios e judeus convertidos ao cristianismo formam, com unidade e igualdade de direitos, um só corpo, “homem novo” ou “nova humanidade”.

c) O mistério de Deus com o amor de Cristo (Ef 3,1-21): a grande obra salvífica (mistério) de Deus, realizada em Jesus de Nazaré crucificado e anunciada pelo Evangelho de Cristo Jesus soberano, está revelada e desenvolvida na Igreja, o corpo de Cristo, na qual os gentios também fazem parte do povo de Deus. Na Igreja, a fé no amor de Cristo, fortalecida pelo Espírito Santo, deve ativar o “coração” dos fiéis para superar “todo conhecimento” (desvinculado da responsabilidade social e comunitária) e construir a casa de Deus Pai no seio do mundo injusto e opressor.

d) Unidade na diversidade (Ef 4,1-16): pelo batismo, os membros cristãos, “ressuscitados” com Jesus Cristo, são libertos do “pecado” (o poder das trevas) e unidos ao Filho de Deus, participando do mistério (o projeto da salvação) de Cristo e formando a nova humanidade, o “homem perfeito”, na Igreja. Nela, cada membro, com seu carisma e função, forma “um só corpo e um só Espírito” no amor verdadeiro de Cristo, em oposição à sociedade patronal e escravagista de desigualdade e discriminação.
e) Nova humanidade em Cristo (Ef 4,17-5,20): a pessoa renovada em Cristo deve revestir-se do “homem novo”, como filha da luz, e caminhar no amor, bondade, justiça e verdade, abandonando a “libertinagem e a prática insaciável de todo tipo de impureza”.

f) Amor e respeito (Ef 5,21-6,9): segundo o modelo da união de Cristo e da Igreja, Efésios propõe que os cristãos pratiquem o código doméstico (as instruções sobre as relações entre mulher e
marido, entre filhos e pais e entre escravos e patrões), com a “reciprocidade” e o “amor ao próximo”, nas “casas-empresa” de residência e produção, a célula fundamental da sociedade daquele tempo. A orientação visa desacreditar e subverter, pacífica e gradativamente, as relações de dominação e submissão dentro da sociedade patriarcal e escravagista sustentada pelo poderoso Império Romano, o mundo em que não se podia imaginar nem cogitar mudanças no sistema de relações socioeconômicas estabelecidas.

g) Luta contra os espíritos do mal (Ef 6,10-20): na realidade vigente da sociedade opressora do império, com seu exército violento e sua religião ostensiva, os cristãos, portando a “armadura de Deus”, devem lutar contra os espíritos do mal chefiados pelo diabo (maligno), os quais seduzem e dominam o mundo, o ser humano e a história com seu espírito de alienação, ignorância e libertinagem. As armas para o combate e a resistência à sociedade geradora de injustiça, opressão e morte são a verdade, a justiça, o Evangelho da paz, a fé, o Espírito, a Palavra e a oração.

Conclusão

Fazendo uma leitura contextualizada da carta aos Efésios, percebe-se que as comunidades cristãs de ontem e de hoje devem lutar contra o mundo da injustiça e executar o projeto salvador (mistério) de Deus, revelado no Evangelho do amor de Jesus Cristo crucificado: Deus Pai criador reúne todas as pessoas na unidade e na paz, excluindo quaisquer separações de classe social, etnia, gênero e
origem religiosa.

Quase dois mil anos se passaram, mas os espíritos do mal (ambições de bens e de poder) continuam seduzindo, encarnando-se nos poderosos de hoje e devorando as pessoas inocentes mediante as guerras, o trabalho escravo, a economia selvagem, a fome, a violência etc. Como os cristãos podem lutar contra o mundo do maligno, não só em sentido espiritual, mas também em sentido real e concreto? As injustiças e desigualdades crescem a cada momento, dentro e fora das comunidades cristãs. Temos o desafio de reavivar a justiça, a solidariedade e a irmandade em nossa vida e missão.

Referências bibliográficas

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PENNA, Romano. As primeiras comunidades cristãs: pessoas, tempos, lugares, formas e crenças. Petrópolis:
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RIEGER, Joerg. Cristo e Império: de Paulo aos tempos pós-coloniais. São Paulo: Paulus, 2009.
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THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulinas, 2018.
WINN, Adam (ed.). An introduction to Empire in the New Testament. Atlanta: SBL Press, 2016.

Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose

*Maria Antônia Marques é assessora do Centro Bíblico Verbo e professora no Instituto São Paulo de Estudos
Superiores (Itesp). E-mail: ma.antoniacbv@yahoo.com.br

**Shigeyuki Nakanose, svd, é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de
Estudos Superiores (Itesp).
E-mail: contato@cbiblicoverbo.com.br
Disponível: 

https://www.vidapastoral.com.br/ano/nova-humanidade-em-cristo-entendendo-a-carta-aos-efesios/

 



LEVANTE-TE E VEM PARA O MEIO ( Evangelho (Lc 6,6-11))

Num outro sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. Lá estava um homem que tinha a mão direita seca. Os escribas e os fariseus observavam Jesus, para ver se ele faria uma cura no dia de sábado, a fim de terem motivo para acusá-lo. Ele, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse ao homem da mão seca: Levanta-te e fica aqui no meio!. Ele se levantou e ficou de pé. Jesus disse-lhes: Eu vos pergunto: em dia de sábado, o que é permitido, fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixar morrer?. Passando o olhar sobre todos eles, Jesus disse ao homem: Estende a mão!. O homem assim o fez e a mão ficou curada. Eles se encheram de raiva e começaram a discutir entre si sobre o que fariam contra Jesus.

Nos dias de hoje, a liberdade é um tema de discussão constante e prática prevalente em nossa sociedade. No entanto, a maneira como entendemos e vivemos a liberdade muitas vezes difere fundamentalmente da liberdade exemplificada por Jesus Cristo. A liberdade que Jesus encarnou está intrinsecamente ligada à vontade do Pai Celestial, uma liberdade que se submete à ação e ao propósito divino.

Ele enfatizou repetidamente que sua ação estava alinhada com o que via o Pai fazer, declarando: "Vos garanto que o Filho do homem não pode fazer nada por si só e sim somente o que vê o Pai fazer; o que faz o Pai, faz o Filho" (Jo 5,19). Isso nos revela que a verdadeira liberdade está na obediência amorosa e na harmonia com a vontade divina.

O coração desse entendimento está no amor. O amor verdadeiro não se impõe, mas inspira e motiva à ação. Quando Jesus disse: "Levanta-te e fica aqui no meio" (Lc 6,8), suas palavras não eram meramente comandos, mas expressões de amor que restauravam não apenas a saúde física, mas também a dignidade e a vitalidade espiritual daqueles que ele tocava. E quando ordenou: "Estende tua mão" (Lc 6,10), realizou milagres que não apenas curaram, mas também ressuscitaram a força e a vida daqueles que estavam enfraquecidos e espiritualmente mortos.

A noção de "salvar" estava intrinsecamente ligada à de "curar", revelando o amor incondicional de Deus Pai por suas criaturas. Jesus, ao curar, estava, na verdade, salvando aqueles que estavam espiritualmente mortos, e isso era um claro sinal do amor de Deus em ação.

Na nova criação, onde o Filho age de acordo com a vontade do Pai, a lei predominante é a do amor em ação. Não é uma lei que permite a inatividade, mas uma lei que exige que estejamos ativamente engajados em fazer o bem aos nossos irmãos necessitados. Portanto, a chave para o nosso tempo é a união entre liberdade e amor, conforme exemplificado por Jesus.

A famosa citação de Santo Agostinho: "Ama e faz o que queiras" ressoa profundamente nos dias de hoje. Ela nos convida a nos configurarmos completamente com Cristo, o Salvador, cuja vida foi um testemunho da harmonia entre liberdade e amor. Em última análise, a liberdade genuína está em escolher o amor como nosso guia, agindo em conformidade com a vontade divina e seguindo o exemplo de Cristo.

Nossa missão, como seguidores de Jesus, é viver essa liberdade que nos capacita a amar incondicionalmente e a agir em prol do bem dos outros. Em um mundo frequentemente voltado para a busca da liberdade egoísta, podemos oferecer a verdadeira liberdade que liberta e o amor que transforma. Isso é fundamental para vivermos plenamente como discípulos de Jesus e como instrumentos do amor redentor de Deus.





domingo, 10 de setembro de 2023

 



HOMILIA DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia deste abençoado domingo 23º do tempo comum, nos convida a uma reflexão profunda sobre nossa sagrada responsabilidade perante os irmãos que caminham ao nosso lado. Ela nos lembra, de maneira inequívoca, que nenhum de nós pode permanecer indiferente diante das ameaças que se erguem contra a vida e a felicidade de nossos irmãos, pois todos somos, inquestionavelmente, interligados em nossa responsabilidade uns para com os outros.

Na primeira leitura, encontramos a imagem do profeta como uma "sentinela" designada por Deus para vigiar sobre a cidade dos homens. Como um vigilante atento aos desígnios divinos e à realidade do mundo, o profeta discernia com clareza o que perturbava os planos de Deus e prejudicava a felicidade dos seres humanos. Como sentinela responsável, ele cumpria seu dever de alertar a comunidade sobre os perigos que pairavam sobre ela.
Na segunda leitura, o apóstolo Paulo nos convoca, a todos os cristãos de Roma e de todos os cantos do mundo, a centralizar nossas vidas na prática do mandamento do amor. É uma "dívida" que temos com todos os nossos irmãos, uma dívida que, sob a luz divina, nunca poderá ser completamente quitada.

O Evangelho deste domingo se desdobra em três ensinamentos de Jesus que regulam aspectos cruciais para o futuro da Igreja: a correção fraternal entre os fiéis, o poder de ligar e desligar concedido aos apóstolos e a seus sucessores, e a eficácia da oração coletiva.

A mensagem de Jesus não nos transforma em seres imaculados, mas nos exorta a amar uns aos outros, independentemente de nossas imperfeições e falhas. Uma prova concreta desse amor é a assistência mútua por meio do perdão e da correção. Com esse primeiro ensinamento, Jesus nos convida a adotar o papel de juízes compassivos, que abordam com compreensão aqueles que erraram em seus caminhos.

Portanto, "a prática da correção fraternal, com base na tradição evangélica, é uma demonstração de afeto sobrenatural e confiança. Devemos agradecer quando a recebemos e não devemos hesitar em praticá-la com aqueles que compartilham nossa convivência." A correção fraternal, conforme ensinado pelo Papa Francisco, evita a "amargura no coração que abriga raiva e ressentimento, levando-nos a insultar e a ferir. É profundamente inapropriado ver um cristão proferindo insultos ou lançando ataques. Insultar não é compatível com a essência do cristianismo."

Muitos Padres da Igreja discorreram sobre a correção fraternal, considerando-a um ato nobre e um gesto de amizade genuína. Eles extrairam implicações práticas das palavras de Jesus. Por exemplo, Santo Agostinho instruiu seus fiéis: "Devemos, portanto, corrigir com amor, não com a intenção de causar dano, mas com a carinhosa intenção de buscar a melhora. Agindo assim, estaremos cumprindo bem o mandamento."
Em relação ao segundo ensinamento de Jesus (versículo 18), o Catecismo da Igreja Católica explica que as palavras "ligar" e "desligar" significam que aqueles que excluímos da comunhão também são excluídos da comunhão com Deus, e aqueles que reintegramos em nossa comunhão, Deus também os acolhe em Sua comunhão.

A reconciliação com a Igreja está inextricavelmente ligada à reconciliação com Deus. Após abordar a reconciliação entre irmãos, Jesus confere aos apóstolos o poder de reconciliar os fiéis com a Igreja. Esse poder é normalmente exercido por meio do sacramento da confissão, administrado pelo confessor, que recebeu tal autoridade do bispo, o sucessor dos apóstolos.

Por fim, Jesus menciona que "outro fruto do amor na comunidade é a oração coletiva", como afirmou Bento XVI. Certamente, a oração pessoal é crucial, senão indispensável. No entanto, o Senhor promete Sua presença à comunidade que, mesmo que pequena em número, permanece unida e harmoniosa, pois essa comunidade reflete a própria essência do Deus Uno e Trino, uma comunhão perfeita de amor. Quando oramos juntos, não apenas imploramos a Deus por Suas graças, mas também recebemos Sua presença entre nós, o presente mais valioso que podemos e devemos buscar.

Conforme ensina o Magistério da Igreja, "Cristo está sempre presente em Sua Igreja, especialmente nas celebrações litúrgicas. Ele está presente na Eucaristia, quer na pessoa do ministro - 'O que é oferecido pelo sacerdote é o mesmo que foi oferecido na Cruz' - quer nas espécies consagradas. Ele também está presente nos sacramentos, de modo que quando alguém é batizado, é o próprio Cristo que batiza. Ele está presente em Sua palavra, pois é Ele quem fala quando a Sagrada Escritura é lida na Igreja. E, finalmente, Ele está presente quando a Igreja reza e canta juntamente, pois Ele prometeu: 'Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, ali Eu estarei no meio deles'."

Neste domingo, somos lembrados de nossa responsabilidade de amar e cuidar uns dos outros, de corrigir com amor, de perdoar e de permanecer unidos em oração, pois é assim que manifestamos a presença de Cristo em nossa comunidade e cumprimos nosso papel como discípulos do Senhor. Que estas sagradas lições inspirem nossos corações e guiem nossas ações,






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